Foi há uma
semana atrás. O dia mais trágico-cómico da minha vida inteira. E olhem que não
era nada fácil. Ah, não era não, que, de tragédia e comédia, está a minha
vidinha cheia. Mas cheia, cheia, cheia, assim coisa de atirar para o rebentar.
Por isso, não era assim mesmo nadaaaaaaa fácil.
E ainda assim, aconteceu. Se a minha vida inteira já dava um filme,
este dia, por si só era digno de um prémio de Cannes e de um Óscar de
Hollywood, sem ser sequer preciso nomeação. Era chegar lá e ganhar; corrijo,
nem sequer era preciso lá ir, que, dado o carácter da história, eles próprios
se deslocariam aqui a este rectângulo à beira-mar plantado para mo entregarem
em mão, coisa que, como as vossas alminhas hã-de saber, não é para todos!
Mas voltando então à história que
aqui vos vim contar; tinha chegado finalmente o dia de conhecer os pais do
rapazinho que, há uns meses me tinha encantado e me tinha feito sair do
celibato semi-voluntário/ semi-forçado em que me mantinha já há alguns anos.
Aquele me me tinha feito voltar a acreditar que, vá lá, até vale a pena tentar
construir um futuro a dois e que os homens não são todos assim tão… tão… tão
qualquer coisa que eu nem sei adjectivar. E, para mostrar que eu até era uma
piquena prendada, para deixar uma boa impressão, que isto já se sabe que os
homens são muito influenciados pela mamã, resolvi fazer a única coisa culinária
que sabia fazer: uns belos de uns rissóis de camarão. Não interessa nem é para
aqui chamado a forma como os aprendi a cozinhar nem os ingredientes que usava
para que ficassem tão bons (isso agora era o que faltava, que eu vos contasse
assim todos os meus segredinhos. É que nem pensem nisso!), mas a verdade é que
eram uma das 7 maravilhas do mundo. E assim foi. Fiz os ditos rissóis,
arranjei-me o melhor que pude, tendo o cuidado de não ir nem demasiado chique
bem demasiado blasé, mas, claro, calçando, no pezinho de cinderela, bem tratado
e bem arranjado, os sapatinhos louboutin lindos, lindos, lindos que só vendo.
Quando ele chegou para me buscar,
voltou a relembrar-me que os pais eram um pouquinho excêntricos e para eu não
levar nada muito a sério. Mas, mesmo com este aviso, eu não podia imaginar nem
metade do que me esperava. Como, por amor da Santa, como é que eu podia
adivinhar, com um filho com um aspecto e um comportamento tão normais, que ele
podia ter uns pais assim?
Quando ele estacionou, à porta de
uma casa toda decorada com animais de loiça nas sebes do jardim, não liguei.
Pensei que a casa seria à frente… ou a trás… ou ao lado, mas nunca, nunca
aquela. Quando ele me disse “é aqui, podes tocar” ia-me caindo tudo. Mas, vá,
lá me controlei e consegui manter-me no alto dos meus saltos com os belos dos
rissolinhos na mão. Mas, quando toquei à campainha e o belo do cão de loiça dá
um latido dei um salto tão grande para trás que lá se foram os rissóis para o
meio do chão. Pumba! E olha que boa coisa para acontecer quando vamos visitar
os futuros sogros pela primeira vez. Não dá uma imagem nada desastrada. Pois
claro que não! E claro que os meus futuros sogros tinham de aparecer logo no
exacto momento em que os ditos dos rissóis me estavam a cair das mãos e a
espalhar-se todos pelo chão. Mas, “em frente que atrás vem gente”.
Recompus-me rapidamente, e
apresentei-me. Quando o meu querido namorado chegou, após estacionar o carro,
olhou para o chão e para mim, para os pais e para o chão, até que, novamente
com os olhos postos em mim e uma cara de ratazana deprimida, com ar de quem não
percebe nada de nada, me pergunto o que é que se tinha passado. Como se já não
tivesse sido suficientemente má toda aquela situação, ainda tive de lha contar!
Estava a começar bem, aquele serão.
Então não estava?
Lá fomos então para dentro, sem os
rissoís, claro está, que ficaram ali espalhados pelo chão. Ainda perguntei se
não queriam que eu limpasse, mas “Não se preocupe com isso, isso depois
resolve-se”, disse-me amavelmente, a mãe do Tiago.
E, durante a primeira meia-hora, o
jantar correu sobre rodas. Nada de excentricidades, tudo feito com bom gosto,
tudo bem apresentadoe até a forma como falaram comigo foi bastante normal;
algumas perguntas, mas, já se sabe como são os pais em relação aos
namorados/namoradas dos filhos.
Eis senão quando, a meio do jantar,
a mãe do Tiago resolve começar a falar de futebol. Ou, melhor dizendo, dos
outros talentos dos jogadores e treinadores de hoje em dia. Pergunta-me de que
clube eu era e, à resposta Benfica, sai-se com esta pérola:
“Também eu, também eu. Ainda para
mais agora com aquele treinador novo, o Qui… Qui não sei das quantas. A menina
já viu como aquele homem é lindo de morrer? É cá um pedaço de mau caminho.
Jesus! Bem razão tem uma menina que tem um blog na net, a Pipoca, que diz que
por ele até corria nua pelo meio do relvado da luz. Pois eu digo-lhe mais: eu,
além disso, comia o Quique Flores, de súbito lembrei-me do nome do gaiato, é
assim que diz, não é, pois, como estava a dizer, comia o Quique Flores à
colherzinha”.
E de repente, o pai, o Tiago e eu
parámos subitamente de mastigar e ficámos, de olhos esbugalhados, a olhar para
a senhora. Aliás, o pai do Tiago até se engasgou. E ela, com aquela cara de
lontra, simpática, com os dois olhinhos pretos, redondos, como se não
percebesse o nosso espanto, perguntou-nos, muito inocentemente:
“Não disse nada de mais, pois não?
Mas também, era só uma forma de expressão. Mas, que o senhor é muito giro, lá
isso é… e nunca sabemos como vamos reagir em determinadas situações. Mas
mudemos de assunto, mudemos”.
E lá mudámos nós de assunto, tendo o
resto do jantar corrido com relativa normalidade. Já chegava de aventuras por
aquela noite, ou não?
Pois que parece que não! Quando me
vinha embora, com o Tiago, que me veio trazer a casa, reparei que,
estranhamente, não havia nada no chão. Nem vestígio dos rissóis. Quando me
estava a despedir comentei isso e eles disseram-me, a apontar para o cão de
loiça:
“Ah, deve ter sido o Cristiano que
os comeu”. E riram-se. Nesta altura quem ficou com cara de lontra fui eu, mas
não me desmanchei e segui o meu caminho como se eles tivessem dito a coisa mais
normal do mundo. Se o bicho ladrava, também podia comer, não era?
Pois…
Nota: este foi um texto que escrevi para concorrer a um passatempo no blogue da Pipoca.
Criativa, sem dúvida !
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